UMA FUGA PERFEITA É O TEMA DE NOVO LIVRO DE MARCIA TIBURI

Escritora e filósofa gaúcha lança obra que conta a intensa história de um homem profundamente solitário, e humano.

Por Aline de Melo Pires*

Já chegou às livrarias o novo livro da filósofa gaúcha Marcia Tiburi. Uma Fuga Perfeita é Sem Volta sai pela Editora Record e conta a história de Klaus, funcionário público da chapelaria de um museu, que mora em Berlim, solitário. Sua história começa, pelo menos para nós, a partir da notícia da morte do pai, dada pela irmã que mora no Brasil, em Florianópolis. É a avaliação sobre o que o levaria de volta ou não ao seu lugar de origem que dá início a uma intensa viagem pela qual Klaus nos leva. Em entrevista exclusiva ao Temas Preferidos, Marcia Tiburi, que é colunista da Revista Cult, fala sobre a concepção dessa obra e de seu processo criativo. De malas prontas para percorrer o País divulgando o trabalho, ela deve estar o Rio Grande do Sul em 7 de outubro. O livro custa R$ 74,90 e você pode encontrá-lo também nas duas lojas de nossa parceira, a livraria Letras & Cia. Abaixo confira os principais trechos da conversa com a escritora Marcia Tiburi.

TEMAS PREFERIDOS - Como Klaus Sebastião foi construído?

Marcia Tiburi - Eu tinha um sonho recorrente que constitui o início da história. O que para mim era sonho, que eu recebia a notícia da morte de meu pai de uma forma banal, por parte de uma irmã, tornou-se a realidade de Klaus. Eu não sei bem explicar como ele foi sendo construído, por que um personagem não é feito apenas de escolhas, há também necessidades e acasos. Não o construímos apenas reacionalmente, há muita intuição e, sobretudo, muita entrega às potências daquilo que começa a aparecer meio que por acaso. Quando olho para meus próprios livros vejo esses personagens isolados, que viajam para longe, que fogem. A solidão e a incomunicabilidade parecem ser temas comuns pra mim, ao mesmo tempo, em Klaus tudo é mais social, mais político. Ele está em tensão com o mundo ao seu redor e com as instituições, do trabalho à família. Ele é um personagem da diferença, da inadequação, mas também um trabalhador, alguém que gosta de ler, de desenhar, de estudar. Mas alguém que teve que fugir para se proteger, para se salvar. Alguém que aprendeu a se esconder. Eu já sabia que ele tinha uma questão corporal complexa que envolvia sua sexualidade. Aos poucos fui sabendo que ele tinha outras marcas corporais, a gagueira por exemplo. Quando eu soube disso, reescrevi todo o romance.

TP - Por que você escolheu a gagueira e não uma outra limitação?

MT - Pessoalmente falando, a gagueira sempre me chamou muito a atenção. Eu sempre achei que tivesse uma poesia guardada na língua de quem é gago, muito mais do que uma limitação. Eu não chamaria essa característica de limitação. A gagueira talvez seja uma forma do inconsciente. Isso me interessa. Uma vez, um amigo que, por acaso, era gago me contou um sonho do qual nunca mais esqueci. Um sonho terrível que envolvia um morto em decomposição. Emprestei esse sonho a Klaus em um dos capítulos do livro. Essa imagem está sempre junto comigo. Ao mesmo tempo, me parece que a gagueira é a marca que melhor pode explicar uma tensão na língua, um impossível que se torna possível. Um não poder falar que, apesar disso, fala. Um dizer que não se deixa dizer. Algo assim. Além disso, essa questão do “dizer e não dizer”,  compõe com a diferença entre o alemão falado em Santa Catarina que veio com os imigrantes do século 19 e o alto alemão falado na Alemanha. Eu queria dar materialidade a essa diferença, a essa impossibilidade de entrar em contato. Mas queria que ficasse claro a questão da imigração, dos colonizados, dos abandonados, dos solitários. Isso tem muito a ver com o inconsciente brasileiro do sul, de onde eu venho. Há, além dessa questão da gagueira e da língua, a questão sexual, corporal que é vista por Klaus como uma doença, pois foi assim que ele aprendeu a tratá-la, como uma doença secreta. Ao mesmo tempo, ele sabe que há outros aspectos nesse tópico e, por mais que tenha sido vítima de um preconceito muito arraigado, ele tenta escapar disso. Até encontrar a forma perfeita da fuga.

TP - Podemos falar sobre qual inspiração te levou ao argumento do livro?

MT - Foi o sonho que eu tive por anos, de que meu pai estava morto.

TP - Li que o livro teria muito mais que as 600 páginas que tem. Como foi  trabalhar nesse “corte”, nessa ruptura com a ideia inicial?

MT - Eu realmente tirei muita coisa e no ato de “cortar” fui obrigada a reescrever muita coisa também. Não chegou a romper com a ideia inicial. Mas a carne do texto se modificou. Para quem se interessa por processos criativos, pode ser curioso saber que, na origem, o livro tinha um único parágrafo. Ele era “corrido”. Até chegar nessa formulação de capítulos curtos, demorei um tempo. Ao todo 4 anos de trabalho. Da escrita inicial até ele chegar na editora.

TP - Qual a relação desse trabalho com a essência da filosofia?

Isso seria bem complicado, não? A literatura sempre toca em questões filosóficas. No meu caso, há muitas. Do começo ao fim. Questões estéticas, éticas, politicas, e até metafísicas, digamos assim. Há a questão da linguagem que é a grande questão da filosofia do século 20 e 21. Há a questão do corpo, do destino, do devir. Klaus estudou filosofia e participa de um grupo de filosofia, a chamada “Sociedade dos amigos do Fracasso”. Ele é melancólico, mas bem humorado.  E isso também pode ser visto como uma questão filosófica...

TP - Já podemos falar de um próximo trabalho? Qual é o próximo projeto?

Tem um livro de ensaios políticos que sai no primeiro semestre de 2017. Na linha de Como Conversar com um fascista e outros livros meus. Dessa vez uma análise das relações entre estética e política. O próximo romance está em andamento, mas no seu tempo próprio, que não é exatamente o meu. Provavelmente fique pronto em um ano e seja publicado apenas no ano seguinte.

*Jornalista e editora do Temas Preferidos