SALA DA TEACHER DAIA | Uma aldeia para cuidar de todas as crianças

Por que estão tentando destruir as escolas? Será que estamos atentos a como os membros de nossas aldeias estão se sentindo? O que podemos fazer dentro das escolas para que a paz volte a reinar na sociedade? E fora das escolas, estamos atentos às aldeias?

Por Daiana Souza*


Eu comecei a escrever sobre outra coisa. Gosto de priorizar boas novas na área da educação em meus textos por aqui. Mas hoje pela manhã fui, novamente, atropelada por uma notícia que chocou o Brasil: um homem invadiu uma escola de educação infantil e matou quatro crianças na cidade de Blumenau, Santa Catarina.


Não sei da sua identidade e nem divulguei ou repassei conteúdo nas redes sociais, para que ele não ganhasse fama por seu ato brutal. Pessoas que cometem atrocidades buscam por isso, ainda mais em tempos de internet como terra sem lei. Ainda há discussões sobre o limite da cobertura de casos assim, pois existem estudos que indicam um determinado padrão comportamental em autores de massacres nas escolas, igrejas, shoppings e demais locais públicos.


Diante de tanta tristeza e desesperança em que nos encontramos, quero usar este espaço para contar um pouco sobre uma breve experiência que tive neste ano como professora auxiliar, em uma linda escola de educação infantil ivotiense. Aliás, esse era meu plano inicial nessa coluna. Pensei: quem sabe meu relato não serve como um alento para tanta desgraça que vemos acontecer na educação?

Atualmente trabalho na área de apoio à inclusão, mas minha passagem por essa escolinha me marcou mais do que eu esperava, como se eu tivesse trabalhado lá por muito tempo!

Todos os dias tive a oportunidade de interagir com bebês e crianças de 0 a 6 anos, das mais diversas maneiras: através do cuidado, da brincadeira, do colo, da conversa. E nessas interações eu aprendia muito mais com eles, ao tentar identificar o motivo dos choros, por exemplo.

Mesmo sendo mãe, não achei muito simples saber se um bebê no berçário chorava de fome ou de sono; complexo ajudar uma criança a dormir, sabendo que na idade dos 2-3 anos elas ainda estão aprendendo a se autorregular; e mais desafiador ainda acompanhar uma conversa entre 5 crianças ao mesmo tempo, todas trazendo pautas interessantes e - melhor ainda - interessadíssimas em minha presença na conversa. Não podia desapontá-las e me esforçava bastante para dar atenção a todas elas, como mereciam.

Entre trocas de fralda e momentos de colinho, conheci profissionais maravilhosos, sempre dispostos a ajudar nos momentos de maior agitação, como na hora de sair para o pátio ou no fim da tarde, quando as crianças já estão cansadas.

Pude ver bebês começando a caminhar, a balbuciar suas primeiras palavras e vi crianças dispensando o uso da fralda, dizendo para mim que já estavam grandes. Professores trazendo propostas para abrilhantar o dia das crianças, que parece ser repetitivo. Afinal, na escolinha as coisas acontecem como - a princípio - deve ser na casa das crianças: hora de comer, brincar, dormir, fazer a higiene… e nessa rotina aprendi a enxergar a beleza do desenvolvimento infantil através da repetição e do afeto no dia a dia. T
em aprendizado em absolutamente tudo! Nas brincadeiras vemos o quão longe a imaginação dos pequenos pode ir; na troca de fraldas podemos criar um vínculo saudável e amoroso com as crianças, conversando com elas olhando nos olhos; e dar colo para uma criança que pede por um é uma experiência fabulosa, pois neste momento dizemos à criança: “estou aqui, posso te acolher”. E ela confia na nossa capacidade de estar ali por - e para - ela.


Existe um provérbio africano que diz assim: “É preciso uma aldeia inteira para educar uma criança”. Posso dizer que estive dentro dessa aldeia durante meu trabalho nesta escolinha, pois todos (sim, todos!) estavam presentes para cuidar das crianças. Muitas vezes a cozinheira pegava um bebê choroso no colo para se acalmar, enquanto a professora tinha que organizar as mochilas. As turmas podiam brincar juntas e as professoras titulares cuidavam de todas as crianças, independente de qual grupo fizessem parte.


As funcionárias que cuidavam da limpeza entravam nas salas e conversavam com as crianças, que estavam atentas aos movimentos da vassoura lá e cá. Pais que chegavam para buscar seus filhos pegavam os filhos de outros pais no colo, pois todos queriam conversar sobre como foi o dia. Se isso não é uma aldeia, em que todos cuidam das crianças, não sei mais o que pode ser.

Hoje estamos todos dilacerados pela notícia do massacre. Sentimos que nossa aldeia foi agredida brutalmente, que invasores vieram com armas em punho e destruíram a paz que reinava. Parecia filme, jogo de videogame, não sei. Mas é surreal, bizarro. E quero chamar a atenção para alguns questionamentos: por que estão tentando destruir as escolas? Será que estamos atentos a como os membros de nossas aldeias estão se sentindo? Por que cada vez mais o discurso de ódio está ganhando espaço na internet, que mais parece uma terra sem lei? O que podemos fazer dentro das escolas para que a paz volte a reinar na sociedade? E fora das escolas, estamos atentos às aldeias?

Fica o meu abraço em forma de texto a toda comunidade de Blumenau. Que a esperança de dias melhores possa confortar (um pouquinho, que seja) as famílias em sofrimento neste momento. A educação infantil é a etapa mais importante de todas na formação de um ser humano. Tudo que acontece na primeira infância é base para o adulto do futuro. Se precisamos de dias melhores, que comecemos pelas crianças, os adultos de amanhã. Que nenhuma fique para trás. Que nossas aldeias possam voltar a ser lugares seguros e de muito aprendizado.


*Publicitária e professora de inglês. Daiana Souza escreve quinzenalmente neste espaço. Tem alguma dúvida, comentário ou sugestão a respeito do tema? Utilize os espaços abaixo para comentários