SALA DA TEACHER DAIA: A Furadeira Rosa

Situações de instabilidade não produzem nenhuma sensação boa, mas ajudam o nosso cérebro a trabalhar com todo o gás. E se você quer maximizar seu aprendizado, você deve fazer coisas difíceis na maior parte do seu tempo

Por Daiana Souza*

Dia 19 de maio foi meu aniversário. Não quis fazer festa virtual, tampouco aglomerar ilegalmente. O clima não é para festas, todos sabem. E não acho - ainda - muita graça em cantar parabéns usando máscara. O futuro: um kit aniversário com chapéu e máscara temática? Não sei, e sinceramente espero que não. Fica difícil soprar as velinhas do bolo desse jeito. Dadas as restrições do momento, comemorei com meus poucos amados em casa, na minha bolha de contato. Mas neste aniversário do “novo normal” ganhei um presente inusitado, que eu nem sabia que existia: uma furadeira rosa. Sim, de cor rosa! Aquele objeto barulhento, pesado, xodó da ala masculina que é fã de bricolagem e que se diverte passando horas dentro de uma Leroy Merlin. Fiquei absolutamente feliz, pois vi naquele presente rosa a minha chance de fazer minhas reformas em casa sozinha, sem precisar de outra pessoa. Nós, mulheres, estamos muito - mal - acostumadas a chamar homens para fazer tarefas de “homens”: pendurar quadros, furar paredes ou consertar chuveiros. E fazer esse movimento autodidata em uma casa de maioria feminina, como a minha (somos eu, minha filha, duas cadelinhas e um cachorro) é, no mínimo, interessante.

Por mais que as mulheres estejam ocupando espaços de predominância masculina, ainda estamos longe de um ideal de igualdade nesta ocupação. Nossos salários ainda são menores do que o salário dos homens, apesar de sermos detentoras de mais da metade dos diplomas de ensino superior no Brasil; ocupamos menos cargos de chefia e trabalhamos muito mais horas em atividades domésticas. Não é à toa que em tempos de pandemia a exaustão feminina é muito maior do que a masculina: ao ficar em casa, no confinamento com filhos, marido, cachorro e papagaio, a mulher é quem cuida de tudo enquanto o homem precisa se concentrar no trabalho em home office. E depois que tudo fica “em ordem”, a mulher vai trabalhar no seu esquema home office também (se ela conseguir).

Se você é mulher e gostaria de se aventurar a fazer alguma coisa “masculina”, pense em como será proveitoso para o desenvolvimento de seu cérebro aprender algo novo e fora de sua zona de conforto. Atenção: se você é homem e gostaria de aprender a fazer as unhas, também pode saber: segundo pesquisa da Universidade de Yale, a incerteza pode ser muito estressante, mas não saber o que vai acontecer envia sinais para que o cérebro comece a aprender. A pesquisa ainda mostra que nosso cérebro busca a zona de conforto o tempo todo, ou seja, não quer passar 24 horas por dia aprendendo. Por isso que, diante do fracasso, nós não desistimos, mesmo ao sentir o desconforto da situação. Situações de instabilidade não produzem nenhuma sensação boa, mas ajudam o nosso cérebro a trabalhar com todo o gás. E se você quer maximizar seu aprendizado, você deve fazer coisas difíceis na maior parte do seu tempo, pois o cérebro “desliga” o centro de aprendizado se ele não está sob algum nível de estresse.

Quanto mais eu leio sobre o funcionamento do nosso cérebro, mais animada eu fico. E o que mais me chama a atenção nestas descobertas é ver que nossas capacidades cerebrais não são “fixas”, mas adaptáveis de acordo com a estabilidade do ambiente. Portanto, não devemos JAMAIS fugir do novo se queremos aprender. Mulheres podem - e devem - se aventurar em áreas diferentes, assim como os homens. Devemos aproveitar nossas capacidades naturais de aprendizado para quebrar preconceitos, em busca de uma sociedade mais igualitária. Nosso cérebro já faz isso! Por que não refletir essas capacidades em nossas atitudes?

Hoje eu olho para a minha parede de casa e admiro minhas plantas penduradas em suportes que eu mesma coloquei, furando e parafusando sozinha. A vida me deu professores fantásticos, que me ensinam e encorajam a tentar fazer por mim mesma, para não depender de outras pessoas. Tive medo de operar a furadeira, medo de estragar tudo, de furar um cano. Se eu me deixasse vencer pelo medo, teria chamado um homem e ficaria em minha zona de conforto feminina e frágil. Mas confesso que a cor rosa de meu novo brinquedo é tão linda... que não esmoreci e fui em frente na operação bricolagem. É a necessidade de auto-afirmação a serviço da igualdade.

*Publicitária e professora de inglês. Daiana Souza escreve quinzenalmente neste espaço. Tem alguma dúvida, comentário ou sugestão a respeito do tema? Utilize os espaços abaixo para comentários.