PANDEMIA: POR QUE VIOLÊNCIA E AGRESSIVIDADE NÃO PODEM SER VISTAS COMO NORMAIS MESMO EM UM CENÁRIO DE INCERTEZAS

Emoções como tristeza e raiva são normais, o problema é o que fazemos a partir delas

A humanidade vive um cenário ímpar, causado pela instabilidade de uma pandemia que mexeu com a vida de todos, sem exceção. A Covid 19 muda a rotina das pessoas e mexe demais com as emoções. O resultado disso, em muitos casos, tem sido discussões acaloradas sobre a política, comportamento dos outros, indignação diante da negação dos problemas ou do não cumprimento de decretos.

Discussões que infelizmente têm tido desfechos como a violência, seja ela verbal, psicológica ou física. O medo da contaminação, o isolamento social e o bombardeio diário de informações, algumas falsas e desencontradas, são terreno fértil para o aumento deste contexto de violência.

Mas, até que ponto vivemos uma situação “normal” ou aceitável?  

Para falar um pouco sobre isso, e de como podemos evitar ou lidar com esses conflitos, conversamos com a psicóloga clínica Larissa von Scharten Heldt.   

Segundo Larissa, é completamente natural que estejamos sentindo várias emoções ao mesmo tempo. “Sentir raiva, tristeza, dor, angústia, ansiedade, medo, tudo ao mesmo tempo, nos deixa extremamente sensíveis. A sensibilidade também é natural. Sentir tudo isso – raiva de quem não está respeitando os decretos, tristeza e luto pela perda da vida que levávamos, saudade dos nossos queridos que não estamos encontrando, medo de morrer, medo de perder quem a gente ama, percepção de que não temos controle sobre o externo, ansiedade ao transitar por espaços públicos, estresse pelo excesso de informações e notícias, sentimento de solidão ou então o excesso de contato com quem vive junto. Tudo isso é completamente natural e super aceitável. O que não é natural é agir a partir desses sentimentos. Não é natural partir para a agressividade”, diz a psicóloga, que também dirige o Espaço Norte.

Diante dos relatos de agressão física, tanto doméstica, quanto em locais públicos, de reações que mostram que as pessoas estão deixando de se tolerar, e sobre como buscar ajuda, Larissa diz enxergar dois cenários.

Um deles, diz, é quando a pessoa sofre a violência ou percebe que outro passa por isso. “Não se pode naturalizar a violência, independente da crise que vivemos. Se uma intolerância se transforma em violência (seja ela psicológica ou física), é necessário tomar uma atitude”, sustenta. No caso de violência doméstica, ela orienta buscar serviços da rede de enfrentamento como serviços de saúde, como os Centris de Referência em Assistência Social (CRAS), apoio psicológico e eventuais medidas protetivas, seja para mulher, idosos, menores ou pessoas com deficiência em relação de dependência.

No caso de presenciarmos uma situação na rua, enfatiza Larissa, nunca é indicado se envolver fisicamente ou tentar afastar, mas sim, chamar ajuda.

O outro cenário apresentado pela psicóloga, é quando você percebe que está se tornando intolerante, agressivo ou sem paciência para lidar com as outras pessoas, novamente, seja em casa ou na rua. Nesse caso, a orientação é buscar atendimento psicológico. Também há formas, segundo Larissa, de procurar serviços públicos, gratuitos, de saúde mental, que poderão fazer um trabalho multidisciplinar com assistência social, psicologia. “Lembre também que existem maneiras de extravasar a sua agressividade, direcionando-a para algo produtivo - por exemplo, exercícios físicos”, completa.

E quando falamos em buscar orientação e ajuda psicológica, podemos ver a pandemia do coronavírus como uma grande oportunidade para entrar na incrível jornada do autoconhecimento. Com o distanciamento social, muitos sentimentos estão vindo à tona. Estamos passando mais tempo sozinhos, diminuímos o ritmo de trabalho ou até paramos completamente. “Poeiras que talvez estavam há muito tempo escondidinhas em baixo de nossos tapetes estão se manifestando. Conforme descrevi no começo, estamos acessando um turbilhão de sentimentos ao mesmo tempo e é uma grande oportunidade para lidar com tudo isso de forma saudável, para acessar a nossa sensibilidade e se permitir ser vulnerável”, explica Larissa.

Por isso, continua, a psicoterapia tem um papel muito importante nesse momento e é uma excelente oportunidade para lidar com coisas que antes não estavam tão visíveis. E para identificar essa necessidade, Larissa ensina a refletir a partir de perguntas como: o que faz sentido para ti? Quais os teus desejos? O que não estava mais funcionando na tua vida? O que tu espera para o teu futuro? Tu estavas satisfeito com o estilo de vida que vinha levando? Quão distante tu te sente daquilo que tu tinhas projetado para ti?

“Quando tiramos o ‘s’ da palavra ‘crise’, fica a palavra ‘crie’ – uma crise é sempre uma oportunidade de criação de algo diferente, uma nova realidade. A psicologia facilita essa compreensão, tomada de consciência e transformação", diz a terapeuta.