ELOGIAR É UM ATO DE RESISTÊNCIA
Infelizmente o ato de criticar é muito mais presente em nossa cultura do que o ato de elogiar. Afinal, como dizem por aí, falamos mal de alguém para dez pessoas, mas falamos bem apenas para umaPor Daiana Souza* Você já fez um elogio hoje? Ou recebeu um elogio de alguém? Eu comecei a pensar sobre isso em um triste ocorrido alguns dias atrás, após uma aula que eu dei. Na ocasião a mãe de uma aluna de 7 anos me questionou sobre o comportamento da filha em sala de aula, se ela estava “me dando muita dor de cabeça”. Eu fiquei espantada com a pergunta da mãe, porque nunca notei se o comportamento dos meus alunos me deixava com dor de cabeça. Pelo contrário, eu me divirto tanto com eles que essa energia boa tem o poder de fazer qualquer dor passar. Já entrei em sala de aula me sentindo mal por diversas vezes, e saí da sala me sentindo ótima depois de escutar, ensinar, conversar e rir com meus alunos. Nem todos os dias são fáceis ou mágicos, mas é uma vida que vale a pena ser vivida. Buenas, de volta à reflexão da minha suposta dor de cabeça que minha aluna “supostamente” havia provocado, eu disse à mãe que aquilo não era verdade. Disse que a aluna era excelente, se comportava bem e produzia bastante em sala. A mãe pareceu não acreditar em tanto otimismo de minha parte e continuou a criticar a filha, dizendo que em casa ela não produzia nada, nada de inglês. Não conversava com o irmão e nem com a mãe, e parecia não ter aprendido nada. Ainda chocada, eu disse à mãe que não podemos esperar que as crianças falem em inglês o tempo todo, ou que respondam perguntas feitas por adultos. A produção das crianças é espontânea, e quando elas se sentem à vontade, seguras e confiantes elas mostram o que sabem. Fiquei triste pela minha aluna, pois fiquei imaginando ela em casa, ouvindo barbaridades da mãe em relação ao seu processo de aprendizagem e se sentindo cada vez mais triste. Infelizmente o ato de criticar é muito mais presente em nossa cultura do que o ato de elogiar. Afinal, como dizem por aí, falamos mal de alguém para dez pessoas, mas falamos bem apenas para uma. E isso é popular e antigo. Crescemos ouvindo de nossos pais que tirar notas máximas na escola “não é mais do que obrigação”. Provavelmente nossos pais ouviram coisas bem mais cruéis de seus pais. O bom desempenho escolar sempre esteve atrelado a não ouvir críticas de pais e professores. Aliás, me parece que é assim até hoje. Não estudamos para ganhar elogios, e sim para não sofrer críticas. O problema é que a crítica não faz tanta diferença para o nosso aprendizado quanto o elogio. Este sim, possui uma relevância enorme e só traz benefícios para o aprendizado de quem o recebe. O elogio é um incentivo para o processo de aprendizagem, tanto da criança quanto do adulto. Quem recebe elogios ganha mais confiança e motivação para superar os desafios que surgem ao longo do caminho. Quando feito do jeito certo, o elogio condiciona o cérebro a ter um desempenho mais alto; isso quer dizer que, quanto mais elogiamos, mais sucesso criamos. Por exemplo, elogiar uma criança oportuniza a ela a expansão de seu potencial e a incentiva nos estudos. A autoconfiança da criança pode ficar muito prejudicada após receber muitas broncas por críticas ruins (desconstrutivas) e por não conseguirem boas notas. Sem autoconfiança, a criança deixa de acreditar que ela é capaz de aprender e começa a evitar o contato com aquela matéria ou assunto tratado na escola. Mas é para elogiar a criança o tempo todo? Não, pois aí o elogio com foco no aprendizado perde seu propósito. O elogio deve ser feito com foco na atitude da criança (não somente no que ela é), e no momento em que a boa ação ocorre. Comparações feitas entre crianças são tóxicas para o aprendizado: compare a criança apenas com ela mesma, para que ela esteja ciente de seus próprios avanços. E elogie de forma verdadeira e autêntica, pois as crianças sabem quando os adultos fingem. O retorno às aulas não tem sido fácil. Os alunos estão eufóricos, agitados, expressando um misto de alegria e ansiedade que não cabem dentro de sala de aula. Todos os envolvidos no processo de educar precisam ter muita paciência e empatia. Pais, professores e gestores de escola ainda estão se acostumando com esse novo cenário. Não sabemos se as crianças esqueceram todo o aprendizado de 2019, já que 2020 foi bizarro. Também não sabemos como lidar com uma sala de aula em que os alunos precisam interagir sem se tocar, se abraçar ou sentar lado a lado com o colega. Precisam produzir? Dar resultados? Precisam passar no vestibular? Não sabemos de nada. Por isso que acredito que elogiar - parafraseando nosso querido ator Paulo Gustavo - é sim um ato de resistência. Elogiar torna-se uma ferramenta fundamental para que o processo de aprendizagem de nossos alunos continue acontecendo de maneira efetiva e feliz em tempos difíceis. *Publicitária e professora de inglês. Daiana Souza escreve quinzenalmente neste espaço. Tem alguma dúvida, comentário ou sugestão a respeito do tema? Utilize os espaços abaixo para comentários. Publicidade Publicidade |