Dica de leitura: O ANO DO PENSAMENTO MÁGICO

Perdas, luto e saudade: como o livro de Joan Didion mostra a possibilidade de superação

Por Aline de Melo Pires*

“A vida muda rápido. A vida muda num instante. Você senta para jantar e a vida que você conhecia acaba de repente.”

Eu ainda não sei o que dizer exatamente quando leio livros ou assisto a filmes sobre perdas, luto, despedidas. Talvez dependa do momento em que estou vivendo e como as minhas saudades mexem comigo naquele determinado instante. Tem vezes em que não consigo ler ou assistir qualquer coisa relacionada a câncer, associo imediatamente à partida do meu pai, que perdeu essa luta há quase 9 anos. Há momentos em que não consigo acessar nada que remeta a perda de filhos, pois imaginar a minha vida sem minha filha é algo que nem sei classificar.


No entanto, felizmente, na maioria das vezes, e fico bem contente com isso, ter acesso a obras, filmes e textos sobre a morte ou despedidas é possível e consigo dissociar, ou pelo menos aliviar, o meu próprio sofrimento - ou seria uma tentativa de negação - para poder apreciar o trabalho em questão. Por isso, depois de assistir ao documentário sobre a escritora Joan Didion, decidi ler um de seus livros. Um relato de uma dor tão, mas tão grande que somente a escrita parece ter sido capaz de apaziguar, parece, não posso afirmar isso. “O Ano do Pensamento Mágico” (Editora Harper Collins) fala da trágica perda do marido, o também escritor John Gregory Dunne, durante um infarto fulminante, logo depois que o casal chega do hospital onde a filha estava internada na UTI. Desgraça pouca é bobagem.


Como retomar a vida depois de tanto tempo de amor e de parceria que somem assim, de repente, num estalar de dedos durante o jantar? John era parceiro de vida e de trabalho de Joan Didion, por mais de três décadas, um não publicou texto algum sem que o outro pudesse revisar, opinar e editar antes. A perda repentina tirou da escritora muito mais do que qualquer pessoa possa imaginar ou mensurar. Uma das passagens mais tocantes para mim é quando ela relata a primeira vez em que escreveu um texto depois da morte do marido. "Eu não tinha para quem mostrar o que escrevi antes de ser publicado."


Joan ainda enfrentou a terrível doença e também a posterior perda de sua filha, mais uma experiência que rendeu livro, agora “Noites Azuis”. Quintana fora adotada pelo casal recém-nascida, quando as tentativas de Joan engravidar estavam esgotadas. Muitas pessoas se perguntam como seguir a vida depois de tantos acontecimentos trágicos, perdas e mortes. Joan Didion não dá receita, não dá conselhos, com certeza ela não estava, nem se achava, em condições de fazê-lo, mas é através de sua escrita, de seu relato tão puro e intenso que o leitor, cada um à sua maneira, pode encontrar o seu caminho, a sua forma de lidar com possíveis projeções de perda ou gatilhos de saudades já instaladas. Eu encontrei a minha e sigo acreditando no poder da arte, da escrita, da literatura como forma de nos ajudar a enfrentar aquilo que nos incomoda. Mas, se precisar, não hesite em dar um tempo. Funciona.


Agradecemos a Editora Harper Collins que nos enviou um exemplar de O Ano do Pensamento Mágico


*Jornalista - Diretora de Conteúdo do Portal Temas Preferidos