Fiquei por duas semanas sem conseguir abrir um livro. Sim, eu. A “louca dos livros”. Entrei para as estatísticas e positivei para a Covid-19. Felizmente, não precisei ser hospitalizada, fiz o tratamento em casa e administrei relativamente bem os sintomas. Chegaram a me dizer “que bom, estás tendo bastante tempo para ler, não é?”. Não. Não é, não foi. A dor de cabeça foi o pior dos sintomas, depois da dor de garganta e de um pouco de falta de ar, as pedradas que levava sistematicamente na cabeça não me deixavam raciocinar, pensar e absorver o que tinha a pretensão de ler.
Depois de algumas tentativas frustradas de ligar o kindle ou abrir um livro, desisti. Foquei no tratamento, no repouso absoluto e mergulhei na solidão que as noites me proporcionaram com a cabeça voando longe e pensando bobagens: a mais aterradora delas era a possibilidade de piorar, de ter os sintomas agravados.
Já nos últimos dias, quando eu já acreditava plenamente que os sintomas seriam aliviados e eu começava a ver a tão esperada luz no fim do túnel - que não era o trem - decidi (re) começar minha proposta de leitura, sentia falta das palavras dançando em meu cérebro e abrindo minhas possibilidades de raciocínio e reflexão. Decidi começar com uma leitura que eu tinha certeza de que me faria bem, me acalmaria o coração, e reafirmaria minha crença na humanidade, na redenção e, por que não, no poder do amor, não somente do amor romântico como do amor pelas outras pessoas, pelo que temos ao redor, pelo que acreditamos.
Então, bem devagar comecei a reler, talvez pela terceira vez na vida, o romance que abriu as portas do mundo para o gênio Erico Verissimo: Olhai os Lírios do Campo. É uma história que se passa nos anos 1930 e conta a trajetória do médico Eugênio Fontes, de família extremamente pobre e humilde, que conseguiu se formar na faculdade onde conheceu Olívia, uma das personagens mais incríveis que já conheci na literatura.
Eugênio não se conforma com a vida de pobreza e restrições nem com a possibilidade de passar o resto da vida a atender pobres na Assistência Pública. Então ele escolhe outro caminho, casa por interesse com uma caprichosa jovem rica para tentar mudar de vida, de perspectivas. Até muda, mas a que preço? A narrativa de Erico Verissimo começa com a ida de Eugênio ao hospital porque Olivia está à beira da morte e a história é contada em flashbacks, um recurso que deixa o leitor ainda mais curioso e preso.
O livro provoca também profundas reflexões sociais e nos traz antigos hábitos, costumes e pensamentos de uma sociedade que, felizmente, evoluiu, ainda que a passos lentos. E esse é um aspecto novo dessa releitura: a comparação e raciocínio sobre as mudanças, sobre como as pessoas viviam e pensavam. Recomendo esta leitura, com todo o meu coração. Leia.
Venci a Covid-19, ainda que sinta alguns desconfortos que estão sendo investigados e tratados. Mas isso é um outro capítulo. Concluí a releitura já curada e com fantasmas afastados. E nunca a referência ao título do livro fez tanto sentido, extraída do Sermão da Montanha:
Considerai como crescem os lírios do campo: eles não trabalham nem fiam, contudo vos digo que nem Salomão em toda a sua glória se vestiu como um deles. Se Deus, pois, assim veste a erva do campo, que hoje existe, e amanhã é lançada no forno, quanto mais a vós, homens de pouca fé? Assim não andeis ansiosos, dizendo: Que havemos de comer? ou: Que havemos de beber? ou: Com que nos havemos de vestir? (Pois os gentios é que procuram todas estas coisas); porque vosso Pai celestial sabe que precisais de todas elas. Mas buscai primeiramente o seu reino e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas.» (Mateus 6:24-33)
*Jornalista - Diretora de Conteúdo do Portal Temas Preferidos