DIA INTERNACIONAL DA MULHER: NÃO É SOMENTE CONTRA A VIOLÊNCIA FÍSICA QUE DEVEMOS LUTAR

O terror psicológico vivido por muitas mulheres é a porta de entrada para outros atos que antecedem o uso da força física e o feminicídio

Neste 8 de Março, quando é celebrado o Dia Internacional da Mulher, a reflexão e o debate devem ser fortalecidos sobre a importância de nunca esquecer esta data, em nenhum dia do ano. A luta pelos direitos da mulher e o respeito com que todas devem ser tratadas, independente de data, precisa ser constante. 

E quando falamos em violência contra a mulher, muitos se detêm na violência física, no soco, no pontapé, no tapa, no uso de armas. Talvez não se dêem conta de que antes de chegar neste estágio, a mulher já pode se encontrar esgotada pela violência psicológica, que muitas vezes não é identificada de imediato. Do contrário, poderia se evitar a violência física. Para falar deste contexto, o Temas Preferidos conversou com Lisiana Carraro, advogada, doutora em Diversidade Cultural e Inclusão Social pela Universidade Feevale, de Novo Hamburgo, mestre em Direitos Fundamentais pela Ulbra/Canoas, graduada em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade do Rio dos Sinos (Unisinos), de São Lepoldo. Lisiana também é prrofessora do curso de Direito da Universidade Feevale e Ulbra. Acompanhe:

Temas Preferidos - Como se identifica a violência psicológica, quais são os graus em que ela ocorre?

Lisiana Carraro - Notoriamente a violência física traz mais visibilidade e impulsiona mais as mulheres a buscar ajuda, seja realizando o registro de ocorrência junto às delegacias, seja por amigas e vizinhas verem as marcas e as incentivaram a parar com aquele ciclo de violência. Contudo a violência física muitas vezes vem posterior a outro tipo de violência, a psicológica e ainda a patrimonial. A violência psicológica, dizemos que deixa marcas na alma, não são marcas visíveis mas causam tanto prejuízo quanto as físicas. Este tipo de violência se vislumbra nas ameaças do tipo:  “vou te deixar, você não presta nem para fazer um café, você é tão gorda/magra e feia que ninguém vai querer você, o que eu tinha na cabeça quando resolvi te trazer para a minha casa. Ou ainda, vou te deixar e vou levar as crianças, vou sumir e você nunca mais vai vê-las”. Muitas vezes vem seguida da patrimonial, que se caracteriza com danos nas roupas, nos documentos ou controle de dinheiro. A violência psicológica atinge as mulheres no sua constituição de mulher e as humilhações e ameaças vão a deixando fragilizada e sem auto estima o que, muitas vezes se manifesta na forma de depressão. A violência psicológica é questão de saúde pública porque as mulheres que sofrem este tipo de violência irão ser atendidas no SUS, nas clínicas de psicologia e psiquiatria, nos postos de saúde, por esta razão a importância de políticas públicas para a violência contra a mulher.  

TP - É normal que as próprias vítimas demorem a identificar esse tipo de agressão?

LC -  É comum as mulheres nos atendimentos relatarem situações de violência psicológica mas sem as reconhecerem como uma forma de violência. Em.minha pesquisa quando desenvolvi a tese do doutorado muito eu ouvia " - Mas casamento é assim!" Muitas mulheres tem como referência de relacionamento brigas, xingamentos,  humilhação como sendo normal. Muitos casos relatados das discussões vêm os empurrões, as pegadas fortes nos braços e por vezes violências físicas mais gravosas. Até mesmo a questão das relações íntimas muitas relatam que se submetem mediante força, o que é tudo como uma violência.  

Muito destas percepções de violência vem  de questões culturais e modelos familiares. Penso que se faz necessário falar sobre estas formas de violência e como elas se dão no cotidiano.  Reforço que as pessoas são diferentes e pensam diferentes mas o relacionamento tem de ter como base o respeito, até porque vale o ditado:"Quem ama cuida!"

TP - Podemos dizer que a violência psicológica também é crime e como tal passível de punição de acordo com a lei?

LC - A lei Maria da Penha traz 5 formas de violência previstas: física, moral,  sexual, psicológica e patrimonial. Qualquer delas é possível de denúncia às autoridades competentes.

TP - A partir da identificação da violência psicológica, o que as vítimas devem fazer? Que tipo de ajuda é oferecida hoje para elas?

LC - Uma vez identificadas as violências sofridas as mulheres devem se dirigir a uma DEAM - Delegacia Especializada da Mulher e se no município dela não houver uma, quando ela chegar na delegacia ela pode solicitar uma policial mulher para fazer seu atendimento. Muitos municípios são estruturados com política pública para mulheres,  exemplifico o município de Novo Hamburgo, que tem uma DEAM, um CREAS Viva Mulher, uma Coordenadoria de Políticas Públicas para Mulheres, um Conselho Municipal dos Direitos da Mulher, uma universidade, a Feevale, com projeto de extensão que acolhe esta demanda o NADIM - Núcleo de Apoio aos Direitos da Mulher, com acolhimento nas áreas jurídicas e psicológicas. 

O importante é diante da violência realizar o registro,  infelizmente mais de 90% dos feminicídio ocorridos não havia nenhum registro anterior de qualquer forma de violência contra as vítimas. 

TP - Podemos enquadrar a violência psicológica no que se refere a casais apenas ou este conceito pode existir em outros tipos de relação como pai e filha, irmão e irmã, chefe e funcionária, etc?

LC - A violência psicológica ocorre em várias relações, contudo a que estamos nos referindo é a prevista na Lei Maria da Penha. Nas relações de trabalho  por exemplo, têm os diversas situações de violência como o assédio, as ameaças de ser dispensada da empresa caso não faça algo para seu superior ou mesmo colegas, enfim.. esta violência permeia várias searas que envolvem relacionamentos pessoais.