Criar e educar um filho não é, e provavelmente não será, a mesma coisa diante de uma pandemia como esta com a qual a humanidade convive. O Dia dos Pais de 2020 será para sempre lembrado e citado como "aquele do ano da Covid-19". A rotina diária mudou completamente quando pais precisaram adaptar-se ao home-office, filhos passaram a ter aulas on-line e a vida doméstica, em poucos dias, se modificou definitivamente.
E, falando em Dia dos Pais, percebe-se que a perspectiva do pai sobre a criação de seus filhos mudou com o isolamento social. A mudança da rotina foi abrupta para todos, mas, vamos lançar aqui um olhar para o papel do homem, que foi bem afetado. A análise é da psicóloga Soraya Oliveira, que fala aqui sobre alguns dos relatos ouvidos em seu consultório em época de isolamento.
Historicamente, diz ela, o homem é visto como o provedor de sua família, o que sai de casa cedo e volta ao final do dia. Enquanto isso, a mulher sempre teve o papel de cuidadora da família.
Ainda é uma cultura enraizada no País e, mesmo diantes de algumas mudanças na chamada era moderna, o homem, ao se ver dentro de casa, diante da necessidade de desempenhar tarefas domésticas e cuidar das crianças, acabou por despertar seu olhar para estas áreas até então desempenhadas apenas por elas. De acordo com a psicóloga, o pai que já registrava um histórico de afeto, aproveito o momento para reforço desses vínculos e para dar aos seus filhos o que antes lhe era impedido justamente pelo tempo e pela distância, como assistir televisão, ler, jogar.
Soraya cita os números divulgados recentemente pelo Instituto de Pesquisa Aplicada (Ipea), que analisa dados do IBGE, e que dão conta de que 59% dos lares do Brasil têm o homem como responsável pelo sustento financeiro. Esse quadro reforça um cenário ainda muito tradicional no Brasil, em que as mulheres são as responsáveis pela educação dos filhos enquanto os homens estão fora, sem a jornada tripla.
"Os pais estão mais habituados com as relações externas, com divertimento fora de casa, mas é com o convívio que descobrimos o outro, suas preferências e gostos. Quando foram para casa, perceberam que estavam distantes dos filhos e passaram a dar valor a coisas que antes eram banalizadas, como por exemplo, o tipo de indivíduo que estão educando para o mundo", diz Soraya.
Os desafios, explica a psicóloga, independem da idade dos filhos. É importante pensar que foram muitos comportamentos diferentes, já que a quarentena se estendeu mais do que imaginávamos, até mesmo as crianças e adolescente tiveram que se adaptar com a figura masculina em casa.
Embora muitos pais tenham se redescoberto com o distanciamento social, Soraya explica que houve uma divisão clara entre aqueles que aproveitaram a situação para se conectar com os filhos, e os que tiveram grandes problemas de ansiedade. "Um segundo grupo de pais demonstrou alteração forte de humor chegando até mesmo a atos de agressividade com violência física e moral, impaciência, irritabilidade e frustrações. Para a psicóloga, esses homens encararam com mais dificuldade o fato de estarem se sentindo fechados e não souberam lidar com a nova realidade de vida. "O resultado disso foi o grande número de divórcios que está tendo no mundo", comenta.
Segundo Soraya, a adaptação foi mais complexa para esse grupo pois são pessoas que ainda vivem apegadas a uma cultura onde homens não executam tarefas domésticas nem educam os filhos pessoalmente do dia-a-dia. "Os pais tiveram que se posicionar melhor diante da escolha feita ao casar. Foram forçados a aprender a conviver e valorizar o papel da mulher e se tornar pai, esposo, companheiro e amigo", completa.