O que para muitas pessoas era para ser algo temporário, de poucas semanas ou meses, acabou por demorar muito mais do que se esperava. A pandemia do novo coronavírus já dura, no mínimo seis meses. Há meio ano a vida das pessoas virou de cabeça para baixo e o que antes parecia "administrável", já começa a dar sinais de esgotamento também. Um destes aspectos é a situação das crianças.
Por conta de toda a correria na luta pela sobrevivência e busca de alternativas para compensar perdas financeiras, pode acontecer de os pequenos parecerem, num primeiro momento, ficarem em segundo plano. O fato é que o comportamento deles também sofre mudanças e precisamos estar atentos a isso.
O alerta é do pediatra e neurologista infantil Clay Brites que aponta a pesquisa realizada em agosto deste ano pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) em parceria com a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo). Esse estudo mostra o impacto da pandemia nas crianças e aponta que cerca de 88% dos médicos pediatras relataram alterações comportamentais em seus pacientes e 75% de oscilações no humor.
Segundo Brites, que é um dos fundadores do Instituto NeuroSaber, a pandemia e seus efeitos geram outros aspectos que merecem atenção. O primeiro é a ansiedade, medo e insegurança: quando os pequenos percebem a agitação da família em torno de noticiários sobre a doença, reagem dentro desses fatores. "Antes ela ia à escola, brincava e corria, agora fica em casa o dia inteiro. Ela também fica mais na TV, computador e internet. Além disso, as tecnologias já têm demonstrado em artigos que modificam o comportamento infantil. Terceira, quando se tem um transtorno de desenvolvimento, neuropsiquiátrico ou alguma condição médica, pode-se piorar a situação", diz o médico.
Os pais, continua, devem conversar com seus filhos e explicar o que acontece neste momento e deixar claro que é algo passageiro. "Eles também devem colocar a questão de uma forma racional, tranquila e disponibilizando-se para receber as angústias do filho", completa Brites.
Mas, neste cenário, o médico fala de uma questão bem importante. Ainda que se observe certos problemas nas rotinas de muitas pessoas, ele diz perceber que muitas famílias estão aproveitando essa fase de forma muito positiva. Muitas, diz ele, estão tendo a oportunidade de rever as relações dentro de suas casas entre todos os membros, filhos, pais, mães, maridos e esposas.
"As crianças têm necessidades que muitas vezes os adultos não podem ou não querem saber de suprir naquele momento, como brincar, dar atenção. O adulto quer descansar, precisa recarregar as energias", considera. No entanto, diz o pediatra, é hora de reavaliar isso, cada família precisa saber lidar com seus filhos de modo que possa conciliar as responsabilidades com a atenção aos filhos, é preciso dedicar tempo sim para brincar, ouvir, dar atenção ao que os pequenos estão sentindo ou pensando e dar espaço para que eles possam se abrir.
Além disso, é preciso estar atento a alguns sinais que as crianças podem dar de que algo não vai bem. Quando elas não conseguem se expressar verbalmente, o pediatra avisa que mudanças de comportamento e de humor podem ser indicativos de que é preciso olhar com mais atenção para a rotina do filho. "Problemas no sono, mudança no horário de dormir, se fica na cama até muito tarde, perto da hora do almoço, isolamento no quarto por muito tempo, tristeza, dores nas pernas, compulsão alimentar, tudo o que for muito diferente de antes da pandemia precisa de investigação", complementa o pediatra.
De acordo com Brites, é preciso manter ao máximo a rotina com disciplina, horário para comer, para estudar e para se divertir. E isso se aplica também a outras providências que devem seguir no planejamento da família, como a vacinação das crianças. Não é preciso ter medo, diz Brites. "Devem ir seguindo as recomendações de proteção e o distanciamento. Não vacinar é mais prejudicial. A vacinação leva o sistema imunológico a criar uma reação contra o agente daquela vacina. E existe a proteção cruzada, que leva a proteção daquela doença e uma carga de proteção para outros agentes", explica.