ARTIGO | Uma Garota de Muita Sorte que me fez pensar
Diante de alguns temas, não basta acharmos errado. Precisamos condenar e propagandear a condenação, em nome de um amanhã melhorPor Rodrigo Giacomet* Filmes bons, na minha perspectiva, são aqueles que nos colocam a pensar, refletir, entender o mundo que vivemos e queremos. Sim, existem os que servem apenas para aliviar a mente, relaxar, em especial em dias tão duros como os que vivemos.
Assisti, dias atrás, na Netflix, Uma Garota de Muita Sorte pensei, sim, pensei muito. E valendo-me das redes sociais, optei por compartilhar esses pensamentos, pois diante de alguns temas, não basta acharmos errado. Precisamos condenar e propagandear a condenação, em nome de um amanhã melhor para nossos filhos e netos ou, em especial, filhas e netas. Então, começo falando tecnicamente do filme: um baita filme ! Prende o espectador, com uma sequência que vai trazendo novidades a cada momento, revezando passado e presente. Bem dirigido, com atuações convincentes. Gostei. Te recomendo. Dizer o quê... tentando não dar spoiler, avançando para os aspectos emocionais da obra. E por que isso ? Porque escancara mais uma vez a posição injusta da mulher em uma sociedade absolutamente machista. Sim, afirmo com convicção: machista. Aviso agora: se estão imaginando ser esta uma linha de pensamento definida como “mimimi”, pare agora mesmo a leitura. Vai piorar… A última cena, por exemplo, depois de quase duas horas de fortes emoções e muita dor, apresenta uma mulher desprezada, mesmo que tendo sofrido um estupro triplo (adianto que essa sequência é baseada em fatos reais que envolve a autora do livro que inspirou o filme - os estupros). E pior, por outra mulher, em defesa de um homem, não por acaso, um dos estupradores… E sim, para a maioria das mulheres existe esta violência; existe o medo; existe a vergonha. O estupro, tema em questão, é apenas uma das vertentes onde a mulher na ampla maioria dos casos, ainda é subjugada. Claro, afinal, existem os homens que comandam e a mulher que é sim, o polo enfraquecido na relação como um todo. Quase sempre as suas denúncias são relativizadas. Sempre existe o “Ahhhh mas ela contribuiu; ahhh mas será que ela disse não; ahhhh mas eles estavam bêbados e não queriam fazer aquilo; ahhhh mas com uma roupa daquelas, tava esperando o quê”. E quem escuta uma jovem estuprada, no filme ? Um diretor de escola e um professor, que ainda assim a defende. Nenhuma mulher. Mas, quem ali compreende a dor de uma violência sexual ? Quem se coloca no lugar dela? O mundo é masculino. Já foi pior, bem pior, mas ainda é. Poucos saberiam fazer esse exercício, a força da famosa empatia. Não digo que todos não o façam: eu me coloco entre aqueles que tentam fazer, não para uma auto propaganda, mas para ir contra uma generalização, que também é danosa. Mas escrevi: tento ! Entretanto, somos poucos. E “Uma garota de muita sorte” escancara isso. A vítima cria uma blindagem, um escudo, simplesmente para sobreviver, pois mesmo vítima, acaba sendo acusada. Até pela mãe, pasmem. Uma cena onde a vítima acorda, estando embriagada, e vê-se ser estuprada choca a quem assiste e tem coração. Agora já imaginaram quem vive essa cena, na prática? Que dor! Que trauma. E o espectador, vendo a personagem, sem saber de seu passado, ao longo do filme, por certo a condena por suas práticas frias, duras, maniqueístas. Mas eram defesas, que ao longo de quase duas horas, vão ficando claras, até ela se cansar, encarar e virar a página. Ao seu modo, no seu tempo. Vencer, mesmo que parcialmente, a dor dos estupros. Mas, quantas não conseguem ? Quantas são soterradas pelas narrativas masculinas? Pela cultura do pensar como sempre se pensou, ou seja, com a mulher como um acessório. O estupro é um extremo, que inclusive motiva o filme e o artigo em questão. Mas o cotidiano é tomado dessas pequenas discriminações: no trabalho, em casa, na sociedade. A mulher parece que sempre precisa provar mais. Precisa dar mais explicações. Precisa agir de acordo com o modo que outros vão pensar. Enfim, fica mais uma vez em meus pensamentos, que as minorias precisam ser defendidas, as minorias precisam ser privilegiadas e nesse caso, um mundo onde homens pensam leis, elaboram leis, as interpretam e julgam, sob um ângulo de séculos de machismo, sim, este mundo está contaminado pelo machismo injusto e por isso, as mulheres e seus direitos precisam ser defendidas. Força às mulheres, que choram, sofrem e superam. Não é fácil vencer, para elas, no mundo em que vivemos. Já foi muito pior e películas e livros como “Uma garota de muita sorte” precisam continuar reverberando. Para mudar o amanhã. Porque o ontem, de muitas delas, não tem mais solução. Foi de dor e medo. E sofrimento. Jamais de mimimi. Publicidade Publicidade |