ARTIGO: Sem celular na escola! E agora? Faz sentido?
O ano letivo já terminou, mas um debate segue sendo necessário, veja a reflexão sobre o uso de celular na escola a partir do artigo da professora Darjela CimaPor Darjela Cima –
professora da rede municipal de ensino de Novo Hamburgo/RS A presença das telas na infância, de forma mais lúdica, é algo presente desde as décadas de 80, quando a programação infantil era o carro chefe de muitas emissoras de televisão. Quais são os adultos de hoje, nascidos entre as décadas de 70 e 90 que não lembram dos programas da Xuxa, do Patati Patatá, Vila Sésamo e tantos outros? Naquela época, o tempo da infância era dividido entre a escola, o brincar na rua com outras crianças e assistir programas infantis. Eu mesma passava horas assistindo os desenhos de diferentes canais de televisão. Guardo na memória alguns deles até hoje. Você lembra de Caverna do Dragão, She-Ra, Ursinhos Carinhosos? No final da década de 80 os pais começaram a sentirem-se inseguros de deixar seus filhos do lado de fora. Alguns perigos pareciam ter aumentado e o tempo de “brincar na rua” foi substituído pela ampliação do tempo diante da televisão. Ali começa o que o psicólogo americano, Jonathan Haidt, autor do livro A geração ansiosa, chamou de reconfiguração da infância. Com a troca do “lado de fora” pelo “lado de dentro”, as crianças ficaram mais expostas às telas e passaram a ter menos contato com seus pares. Num primeiro momento, as telas não apresentavam grande perigo, pois não proporcionavam nenhuma interação. Mas, foi nos anos de 2008 e 2009 com o advento dos smartphones que a coisa foi mudando e tomando um outro rumo. Hoje, temos crianças que com apenas alguns meses de vida já são expostas a vídeos de qualidade duvidosa, com o intuito de silenciá-las ou mantê-las calmas enquanto os adultos na sua volta utilizam seus próprios aparelhos de celulares ou fazem suas tarefas. Estudos mostram o quanto a exposição a telas compromete o desenvolvimento cognitivo das crianças, sobretudo no que se refere aos aspectos da socialização e da criatividade. Nós, seres humanos, somos seres síncronos, ou seja, precisamos de interações cara a cara, de contato físico, olho no olho, para que possamos ter um desenvolvimento saudável. Contudo, o que os smartphones oferecem, através das redes sociais, são milhares de interações assíncronas. Se antes tínhamos cinco, dez, quinze amigos, hoje podemos ter mais de mil e muitos deles, jamais conheceremos pessoalmente, mas são identificados como “amigos” (no facebook) ou “seguidores” (no Instagram e Tik Tok). O resultado de “tantos amigos” tem causado danos graves e, por vezes, irreversíveis nas infâncias e adolescências, sobretudo entre aqueles nascidos entre os anos de 2010 e 2015, período em que as redes sociais ganharam força e invadiram casas, escolas e a vida das pessoas. Pesquisas mostram um aumento significativo de depressão e ansiedade entre crianças e adolescentes nascidos neste período. A saúde mental de crianças e adolescentes têm sido duramente afetada e os problemas só aumentam quando fazemos o recorte entre meninos e meninas.
Com a pandemia da COVID-19, o acesso irrestrito de aparelhos celulares e das redes sociais entre crianças e adolescentes aumentou ainda mais e talvez por isso, agora seja ainda mais desafiador retomar o controle e retirar os aparelhos de smartphones da sala de aula.
Recentemente, no final do mês de outubro, a Comissão de
Educação da câmara de deputados aprovou o projeto que proíbe o uso de
celulares, inclusive no recreio, e crianças até 10 anos de idade não
poderão portar consigo o aparelho. A partir daí a discussão sobre essa temática
ganhou força e viralizou. O projeto será analisado agora, em caráter
conclusivo, pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania. Para virar
lei, a proibição precisa ser aprovada pelos deputados e pelos senadores. Na minha opinião, restringir o uso apenas para crianças
menores de 10 anos ainda é insuficiente. Crianças e adolescentes menores de
16 anos são suscetíveis à diferentes formas de assédio e violência, todos os
dias. No que se refere a aprendizagem, o tempo que os estudantes permanecem
conectados, visualizando e/ou interagindo com usuários de quais outros lugares
do mundo, é um tempo perdido, um tempo que não agrega conhecimento,
socialização ou desenvolvimento da criatividade. Os níveis de reprovação e
abandono escolar têm aumentado e, problemas ligados à saúde mental dos
estudantes também tem sido algo de estudos e reflexões. O fato é que agora, quando chegamos em um ponto em que os índices de dificuldade de aprendizagem, ansiedade, transtornos de déficit de atenção, depressão e suicídio têm aumentado exponencialmente, a sociedade parece ter compreendido que é necessário cumprir a lei. Que bom, antes tarde do que nunca! As perguntas que ficam são: Quanto tempo levaremos para reverter a situação? Será que ainda dá tempo de frear esse uso desmedido e descontrolado das telas, sobretudo das redes sociais para crianças e adolescentes menores de 16 anos? Precisamos acreditar que sim e nos unirmos no apoio aos movimentos que têm surgido nessa busca. A escola sem celular é um deles. Referências utilizadas: - Agência Câmara de Notícias - HAIDT, Jonathan. A
geração ansiosa: como a infância hiperconectada está causando uma epidemia
de transtornos mentais. 1ª edição - São Paulo: Companhia das Letras, 2024. Publicidade Publicidade |