ARTIGO: Sem celular na escola! E agora? Faz sentido?

O ano letivo já terminou, mas um debate segue sendo necessário, veja a reflexão sobre o uso de celular na escola a partir do artigo da professora Darjela Cima

Por Darjela Cima – professora da rede municipal de ensino de Novo Hamburgo/RS

Você já deve ter visto ou lido algo recentemente, que fale sobre a proibição do uso de celulares na escola. No Estado do Rio Grande do Sul, existe a Lei nº 12.884 que foi publicada no Diário Oficial em 03 de janeiro de 2008. Isso mesmo, há aproximadamente 17 anos atrás. De acordo com esta lei, “[...]fica proibida a utilização de aparelhos de telefonia celular dentro das salas de aula, nos estabelecimentos de ensino do Estado do Rio Grande do Sul”. Mas o que vemos, na prática, é a autorregulação dos estabelecimentos de ensino, sejam eles pertencentes à esfera pública ou privada. Vamos tentar entender porque esta discussão está tão em foco nos dias atuais?

A presença das telas na infância, de forma mais lúdica, é algo presente desde as décadas de 80, quando a programação infantil era o carro chefe de muitas emissoras de televisão. Quais são os adultos de hoje, nascidos entre as décadas de 70 e 90 que não lembram dos programas da Xuxa, do Patati Patatá, Vila Sésamo e tantos outros? Naquela época, o tempo da infância era dividido entre a escola, o brincar na rua com outras crianças e assistir programas infantis. Eu mesma passava horas assistindo os desenhos de diferentes canais de televisão. Guardo na memória alguns deles até hoje. Você lembra de Caverna do Dragão, She-Ra, Ursinhos Carinhosos?

No final da década de 80 os pais começaram a sentirem-se inseguros de deixar seus filhos do lado de fora. Alguns perigos pareciam ter aumentado e o tempo de “brincar na rua” foi substituído pela ampliação do tempo diante da televisão. Ali começa o que o psicólogo americano, Jonathan Haidt, autor do livro A geração ansiosa, chamou de reconfiguração da infância. Com a troca do “lado de fora” pelo “lado de dentro”, as crianças ficaram mais expostas às telas e passaram a ter menos contato com seus pares.

Num primeiro momento, as telas não apresentavam grande perigo, pois não proporcionavam nenhuma interação. Mas, foi nos anos de 2008 e 2009 com o advento dos smartphones que a coisa foi mudando e tomando um outro rumo. Hoje, temos crianças que com apenas alguns meses de vida já são expostas a vídeos de qualidade duvidosa, com o intuito de silenciá-las ou mantê-las calmas enquanto os adultos na sua volta utilizam seus próprios aparelhos de celulares ou fazem suas tarefas.

Estudos mostram o quanto a exposição a telas compromete o desenvolvimento cognitivo das crianças, sobretudo no que se refere aos aspectos da socialização e da criatividade. Nós, seres humanos, somos seres síncronos, ou seja, precisamos de interações cara a cara, de contato físico, olho no olho, para que possamos ter um desenvolvimento saudável.

Contudo, o que os smartphones oferecem, através das redes sociais, são milhares de interações assíncronas. Se antes tínhamos cinco, dez, quinze amigos, hoje podemos ter mais de mil e muitos deles, jamais conheceremos pessoalmente, mas são identificados como “amigos” (no facebook) ou “seguidores” (no Instagram e Tik Tok). O resultado de “tantos amigos” tem causado danos graves e, por vezes, irreversíveis nas infâncias e adolescências, sobretudo entre aqueles nascidos entre os anos de 2010 e 2015, período em que as redes sociais ganharam força e invadiram casas, escolas e a vida das pessoas.

Pesquisas mostram um aumento significativo de depressão e ansiedade entre crianças e adolescentes nascidos neste período. A saúde mental de crianças e adolescentes têm sido duramente afetada e os problemas só aumentam quando fazemos o recorte entre meninos e meninas.


No caso das meninas, para além da depressão, problemas como automutilação têm sido cada vez mais identificados. Já os meninos têm uma relação direta com jogos violentos que incentivam a matança e o encarceramento, no sentido de que passam horas do dia e da noite confinados em seus quartos, atirando e “eliminando” adversários de diferentes partes do mundo. A média de tempo que crianças e adolescentes ficam conectados a jogos e/ou redes sociais chega ao número assustador de 30 até 40 horas por semana. Isso significa uma carga horária de trabalho, só que neste caso é de exposição para o mundo inteiro.


Mas o que o uso do celular dentro da escola tem a ver com tudo isso?
Absolutamente tudo!

O nível de dependência de algumas crianças e adolescentes é tamanho que, mesmo durante a aula presencial, enquanto o professor ou a professora estão discutindo e compartilhando os conteúdos, a cada vibração do aparelho que fica sobre a mesa, junto com livros e cadernos, o estudante não se contém e olha para ver qual a mensagem chegou ou qual das suas publicações recebeu alguma “curtida” ou comentário.

Com a pandemia da COVID-19, o acesso irrestrito de aparelhos celulares e das redes sociais entre crianças e adolescentes aumentou ainda mais e talvez por isso, agora seja ainda mais desafiador retomar o controle e retirar os aparelhos de smartphones da sala de aula.


Algumas escolas já têm adotado a restrição do uso do celular, sendo permitido somente no momento do recreio, outras têm proibido que o estudante acesse a escola com o aparelho ou tem disponibilizado armários onde os estudantes precisam deixar seus aparelhos ao entrar na escola. Diferentes estratégias têm sido utilizadas para que essas regras sejam, de fato, cumpridas.

Recentemente, no final do mês de outubro, a Comissão de Educação da câmara de deputados aprovou o projeto que proíbe o uso de celulares, inclusive no recreio, e crianças até 10 anos de idade não poderão portar consigo o aparelho. A partir daí a discussão sobre essa temática ganhou força e viralizou. O projeto será analisado agora, em caráter conclusivo, pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania. Para virar lei, a proibição precisa ser aprovada pelos deputados e pelos senadores.

De acordo com esse projeto, para crianças a partir de 11 anos de idade “O uso fica autorizado, em sala de aula, para fins pedagógicos e didáticos, conforme orientação do docente e dos sistemas de ensino, para evitar as distrações”. Contudo, sabemos que fica muito difícil para o professor o papel de mediar e fiscalizar o uso indevido dentro da sala de aula.

Na minha opinião, restringir o uso apenas para crianças menores de 10 anos ainda é insuficiente. Crianças e adolescentes menores de 16 anos são suscetíveis à diferentes formas de assédio e violência, todos os dias. No que se refere a aprendizagem, o tempo que os estudantes permanecem conectados, visualizando e/ou interagindo com usuários de quais outros lugares do mundo, é um tempo perdido, um tempo que não agrega conhecimento, socialização ou desenvolvimento da criatividade. Os níveis de reprovação e abandono escolar têm aumentado e, problemas ligados à saúde mental dos estudantes também tem sido algo de estudos e reflexões.

Tudo isso, essa migração do mundo real para o mundo virtual, essa reconfiguração da infância, chegou num patamar tão alarmante e preocupante que nos restam poucas alternativas para frear esse adoecimento e retomar as rédeas da educação dos nossos filhos e filhas.

O fato é que agora, quando chegamos em um ponto em que os índices de dificuldade de aprendizagem, ansiedade, transtornos de déficit de atenção, depressão e suicídio têm aumentado exponencialmente, a sociedade parece ter compreendido que é necessário cumprir a lei. Que bom, antes tarde do que nunca! As perguntas que ficam são: Quanto tempo levaremos para reverter a situação? Será que ainda dá tempo de frear esse uso desmedido e descontrolado das telas, sobretudo das redes sociais para crianças e adolescentes menores de 16 anos? Precisamos acreditar que sim e nos unirmos no apoio aos movimentos que têm surgido nessa busca. A escola sem celular é um deles.

Referências utilizadas:

- Agência Câmara de Notícias

- HAIDT, Jonathan. A geração ansiosa: como a infância hiperconectada está causando uma epidemia de transtornos mentais. 1ª edição - São Paulo: Companhia das Letras, 2024.