SE ENSINAR LIMITES É UMA ESCOLA PARA VIVENCIAR A REALIDADE, POR QUE ELES SERIAM RESTRITIVOS?

As lições que chegam com a experiência de vida e a serenidade para salvar o futuro

Por César Silva*

Dona Efigênia era avó de 6 netos de várias idades! Em sua época, limites eram impostos por olhares, respeito e umas palmadas. Ela não conseguia entender como seus netos desrespeitavam seus filhos em várias circunstâncias!

Deixar fazer o que os netos queriam era sinônimo de amor, pensava ela. Não entendia isso! Questionava como ela não tinha conseguido repassar os ensinamentos de seus pais de uma forma que fossem entendidos em essência. Sua consciência sabia que algo estava a faltar, além de seu coração de mãe e avó estar doendo vendo esta situação.

Seus três filhos Ana, Rogério e Cauan, eram bem sucedidos e sempre a tratavam de forma respeitosa. Como poderiam acontecer tantas barbaridades?

Ela tinha bastante tempo livre e aproveitava o seu tempo lendo, estudando, saindo com amigas, cuidando dos netos e passeando. Seu casamento com Leôncio foi muito feliz, mas ele partira há 1 ano. A saudade sempre estava presente!

Lembrava das conversas que tinham e dos assuntos. Nunca esquecia o que o seu amado lhe falava: temos que cuidar da família acima de tudo. Nossa tarefa não se restringe aos filhos, netos, bisnetos e agregados e sim ao que eles vão agregar positiva ou negativamente ao mundo. Leôncio era um idealista! Ela amava muito essa qualidade nele!

Sabedoria e realidade

Ela lembrava o quanto ele era observador e sábio. Ele ficava a espreitar todos os relacionamentos familiares e nunca se posicionava na frente de todos. Era um respeitador. Ao mesmo tempo, cabia a ela, Efigênia, escutar suas observações e colocar em prática na "rádio família", se assim concordasse. Era ela a responsável final, dizia ele em tom de brincadeira. Eram cúmplices, até o último suspiro!

Em uma noite, ele estando cansado, pediu a ela que trouxesse uma xícara de café, pois tinham questões importantes a tratar. Em sua sabedoria, ele sabia que não era eterno e que precisava deixar algumas questões encaminhadas.

Ela desceu a cozinha no primeiro andar da casa para buscar o café e ficou pensando: ele está desistindo, está fraco, mas vou resistir a essa história. Ela estava pronta para qualquer assunto e decidida: não permitirei que ele esteja abatido pelo momento!

Quando ela subiu, prontamente entregou o café ao amado e ele olhou, com aquele mesmo olhar do primeiro dia, apaixonado e disse:

- Amo você! Eternamente, onde estiver! Sei que o momento não é o melhor, mas preciso lhe agradecer!

- Agradecer porque, meu amor?

- Por ter sido minha incansável companheira! Aguentou os piores momentos, me ajudou desde o princípio, me deu três filhos lindos que nos trouxeram netos maravilhosos. Quero que saiba que não me arrependo de nada! Tive a vida que pedi a Deus com você! Meu maior presente!

As lágrimas começaram a descer e aquelas palavras de amor e reconhecimento fizeram seus sentimentos mais profundos, se eternecerem. Ele continuou colocando a mão em seu rosto e secando as suas lágrimas:

- Tenho um pedido a lhe fazer, muito especial. Sei que pode parecer estranho, mas é a única coisa que quero lhe pedir.

- Fale meu amor, o que é? Quer comer algo especial? Eu faço para você! Quer tomar aquele seu suco especial? Eu busco. E ele sorriu brevemente e disse:

- Quero lhe pedir que ensine a nossos filhos e netos a importância dos limites, do respeito e da realidade da vida. Passamos muito tempo sem nos envolver com a criação de nossos netos, pois combinamos que não iríamos nos meter, por mais que doesse.

- Só que a situação está bem complicada, preciso lhe dizer. Não posso partir sem que compartilhe minha última preocupação em vida.

- Não fale assim Leôncio, você vai melhorar! Por favor! As lágrimas corriam novamente...

- Minha amada, eu sei disso. Mas precisamos olhar para a realidade. Um dia irei e não voltarei mais. Quando, eu não sei! Só sei que precisamos de algum tempo para ensinar o que aprendemos na jornada da vida a fim de que a sabedoria ilumine a mente destes jovens.

- Nossos netos conversam muito pouco com nossos filhos. Eles estão sempre naquele celular, vendo vídeos, jogos e sei lá mais o que.

- A hora do almoço é uma briga. Uns não comem, outros nem sentam a mesa. Os berros, muitos berros, doem mais do que uma chinelada do meu falecido pai.

- E pior: não vejo nesses jovens o menor respeito a seus pais. Não estou falando aqui de mordaça ou de cerceamento, e sim de um sentimento natural de atenção aos pais, aos orientadores da vida.

- Não sei onde isso irá parar, pois um dia eles irão para a vida e se degladiarão com pessoas melhores e piores do que eles e quando a situação complicar, a quem vão recorrer senão a família?

Dona Eugênia baixou a cabeça, pensou fundo e respondeu:

- É tão difícil ensinar alguém a colocar limites. Mais difícil ainda é sustentar as resoluções. Não sei, não sei!

- Meu amor, faça por mim! Não permita que a vida ensine a pauladas de indiferença e crueldade. Não permita que a vida mostre o que tem de pior pois a esperança pode ser envolvida, assim como a fé e o amor. Sei que será capaz e lhe ajudarei até o último dia de nossas vidas!

Os dois se abraçaram fortemente e, após o café, dormiram juntinhos como sempre, com o calor do carinho e do amor verdadeiro a lhes embalar.

Daquele dia em diante, ficaram mais próximos aos filhos, aos netos, agregados, agregadas e procuraram criar amizades mais profundas. A cada conversa um ensinamento, um exemplo, uma orientação.

Passou-se um ano, após aquela noite importante, da conversa dos dois e seu Leôncio estava no hospital. Pediu ao enfermeiro que chamasse a sua esposa, pois sentia que seu fim estava próximo.

Ela entrou e olhou firmemente para ele com ar de esperança, amor e bondade. Novamente ele disse:

- Meu amor. Agradeço a Deus por você! Obrigado por tudo que fizeste por mim e por nossa família. Não canso de agradecer! Mas quero lhe parabenizar mais ainda, pois depois desse ano maravilhoso percebi que nossa família entendeu o recado! Sinto que cumpri minha missão e tenho certeza que dará andamento.

Ela abraçou ele com muita força e falou no ouvido cambaleante: amo você, amor da minha vida! Se beijaram e renovaram as promessas de amor!

O enfermeiro pediu que Dona Efigênia saísse pois seu Leôncio precisava descansar, já que ele estava na UTI, de forma consciente.

A noite seguiu a dentro e o telefone tocou naquela casa silenciosa às 5 da manhã: seu Leôncio partiu! Ela agradeceu a informação, desligou o telefone e começou a chorar, quando lembrou do beijo e das últimas palavras do seu amor.

Seu coração estranhamente ficou cativado com tudo e seguiu para acordar seus filhos, que naquela noite, depois de muito tempo, estavam dormindo em casa.

Conforme ia acordando cada filho, se lembrava dele, seu sábio amado: limites, responsabilidades, realidade e preparo para uma vida plena.

Era uma noite difícil, um dia complicado, mas a vida deixa um legado de amor sempre esperado a quem é consciente de seu papel neste mundo de Deus!

César Silva é professor, escritor, consultor, mentor - Head of Business @cesarsilvasimplesmente, Professor/Tutor Externo IERGS/Uniasselvi, Conselheiro da Fenac S.A.