ALERTA: OS DESAFIOS EM SAÚDE MENTAL DE CRIANÇAS E JOVENS COMO CONSEQUÊNCIA DA PANDEMIA

Especialista fala sobre os impactos nos chamados filhos da pandemia e o que se pode fazer para enfrentá-los

Dois anos se passaram e é mais urgente do que nunca pararmos para pensar e avaliar a situação de crianças e jovens no que se refere à saúde mental desde o início da pandemia, lá no início de 2020. É esta a reflexão sugerida pela neurologista e psiquiatra Gesika Amorim que defende um debate profundo sobre os impactos negativos que a pandemia já causou, vem causando e as consequências que ainda virão, relacionadas principalmente à saúde mental da população mais jovem. Preste atenção, especialmente se tem crianças, adolescentes ou jovens perto de você e busque orientação, ajuda.


A quebra da rotina e da vida social nas escolas imposta pela experiência do isolamento social ou perda de familiares e amigos é um dos principais impactos negativos da pandemia do coronavírus, de acordo com a Gesika.



Ela ainda aponta a dificuldade do acesso à assistência e saúde mental, com o fechamento e a paralisação dos serviços de saúde que se limitaram ao atendimento virtual. "Crianças entre 2 a 4 anos de idade perderam, praticamente, dois anos do início de suas vidas, são crianças que não conviveram em sociedade, elas não sabem brincar com outras crianças, não conviveram em família e, em muitas situações, não aprenderam a cumprir regras e ordens. São crianças que não tiveram infância, sem acesso a nossa realidade antes da pandemia, elas conhecem uma realidade completamente anômala, principalmente aquelas crianças que vivem fechadas em apartamentos. O impacto tem acontecido também com a volta às aulas, quando essas crianças são vistas de fora, pelos professores e por outras pessoas. E esse é um outro momento, um novo capítulo, e certamente haverá, como ja temos visto, uma explosão de diagnósticos de transtornos de neurodesenvolvimento, algo que já vínhamos falando tempos atrás", acrescenta Gesika, que ainda mestre em Educação Médica e especializada em Tratamento Integral do Autismo, Saúde Mental e Neurodesenvolvimento.


A pandemia, continua a médica, é considerada também um fator de violência e estresse e quebrou o ciclo de desenvolvimento das crianças, seja em alterações na arquitetura cerebral, alterações imunológicas ou hormonais. Segundo Gesika, adolescentes na faixa de 12 a 16 anos de idade, ficaram dois anos em casa, em uma fase em que a socialização é muito importante na formação de tribos e grupos, e isso não aconteceu.


Esses adolescentes ficaram dentro de casa convivendo on-line, no mundo virtual. A consequência é que agora temos uma juventude que não sabe lidar com o embate, não sabem trabalhar o emocional.


Para ela, estamos tendo um “boom” de adolescentes com transtornos comportamentais, transtornos de humor e quadros depressivos, isso porque estes, não conhecem as emoções ruins e também não sabem viver em sociedade. "No meu trabalho tenho visto uma quantidade muito grande de meninos e crianças, com quadros de automutilação, com transtornos depressivos e tentativas de suicídio, isso porque qualquer negativa, qualquer falta de sucesso na vida real é uma experiência extremamente dolorosa para eles. São crianças que ficaram dois anos dentro de casa e desaprenderam, ou perderam, uma fase de grande aquisição e desenvolvimento da própria cidadania, por isso elas não sabem lidar com o mundo real, não foram preparadas, não sabem nem ao menos nomear o que estão sentindo", diz.


QUAL A SOLUÇÃO PARA ENFRENTAR OS ATUAIS DESAFIOS?


Gesika é categórica: o acesso ao atendimento e ao tratamento com qualidade deve ser prioridade para que a situação de saúde mental no Brasil seja de fato trasnformada. “O tratamento precisa vir a público, tornar-se mais acessível à todos. Outro ponto é o tratamento de transtornos mentais para a prevenção do suicídio, pois falar apenas, não resolve. Os jovens não procuram tratamento. Eles não têm nenhuma iniciativa. Eles só procuram quando veem que um outro jovem da mesma turma, algum amigo, conhecido, que tenha alguma identificação, procurou por algum tratamento", afirma.


Em primeiro lugar, reforça, é preciso se adaptar ao novo, à essa nova realidade que se apresentou para todo mundo. É preciso ensinar aos jovens a reconhecer as próprias emoções. "Temos de ensinar aos pais a serem pais, porque hoje eles se encontram perdidos. Diferentes de nós, que aprendemos a enfrentar as dificuldades e a viver a nossa verdade e liberdade, as novas gerações não sabem lidar com a adversidade, não aprenderam a lutar. Uma geração que não sofreu e, de repente, perdeu tudo o que tinha. Seu mundo deixou de ser cor de rosa", sinaliza Gesika.


Outra coisa importante, na visão da especialista, é a quebra do preconceito. É preciso trazer a discussão para a mídia, discutir o adoecimento que esses jovens estão passando. "E também precisamos vencer as barreiras do preconceito do tratamento de saúde mental", conclui.