A ESCUTA MAIS QUE ATIVA?

Quando escutar pode ser mais importante que falar

Por César Silva*

Laurinha estava diferente desde a última semana. Ela estava quieta e não fazia perguntas. Ao mesmo tempo, estava a observar tudo sem restrição. A situação era inusitada! Mas com ela, nada é impossível!

Joana tentava buscar alguma informação com ela. Perguntava e ela não respondia. Percebeu que durante o almoço, jantar e na chegada da escola ela estava atenta, mas quieta. De repente, vem a pergunta:

- Mãe! Percebi sua preocupação comigo!

- Sim! Você ficou quieta de uma semana para a outra!

- Não estou quieta!! Estou exercitando a escuta ativa!

- Escuta Ativa?

- Sim!

- Me explica melhor Laura!

- Vou te mandar por whats um texto da internet e depois de você ler, nós conversamos.

- Que texto??? Cuidado com as Fakenews!

- Não é Fake mãe! É do Rubem Alves! Escutatória! Adorei esse título!

- Mesmo?? Quero ler!!

Laurinha enviou para sua mãe o famoso texto do autor brasileiro:

Sempre vejo anunciados cursos de oratória. Nunca vi anunciado curso de escutatória. Todo mundo quer aprender a falar. Ninguém quer aprender a ouvir. Pensei em oferecer um curso de escutatória. Mas acho que ninguém vai se matricular. Escutar é complicado e sutil...

Parafraseio o Alberto Caeiro: "Não é bastante ter ouvidos para ouvir o que é dito; é preciso também que haja silêncio dentro da alma". Daí a dificuldade: a gente não aguenta ouvir o que o outro diz sem logo dar um palpite melhor, sem misturar o que ele diz com aquilo que a gente tem a dizer...

Nossa incapacidade de ouvir é a manifestação mais constante e sutil de nossa arrogância e vaidade: no fundo, somos os mais bonitos...

Tenho um velho amigo, Jovelino, que se mudou para os Estados Unidos estimulado pela revolução de 64. Contou-me de sua experiência com os índios. Reunidos os participantes, ninguém fala. Há um longo, longo silêncio. (Os pianistas, antes de iniciar o concerto, diante do piano, ficam assentados em silêncio, abrindo vazios de silêncio, expulsando todas as ideias estranhas). Todos em silêncio, à espera do pensamento essencial.

Não basta o silêncio de fora. É preciso silêncio dentro. Ausência de pensamentos. E aí, quando se faz o silêncio dentro, a gente começa a ouvir coisas que não ouvia. Eu comecei a ouvir.

Fernando Pessoa conhecia a experiência, e se referia a algo que se ouve nos interstícios das palavras, no lugar onde não há palavras. A música acontece no silêncio. A alma é uma catedral submersa. No fundo do mar – quem faz mergulho sabe – a boca fica fechada. Somos todos olhos e ouvidos. Aí, livres dos ruídos do falatório e dos saberes da filosofia, ouvimos a melodia que não havia, que de tão linda nos faz chorar.

Para mim, Deus é isto: a beleza que se ouve no silêncio. Daí a importância de saber ouvir os outros: a beleza mora lá também. Comunhão é quando a beleza do outro e a beleza da gente se juntam num contraponto. Ouçamos os clamores dos famintos e dos despossuídos de humanidade que teimamos a não ver nem ouvir. É tempo de renovar, se mais não fosse, a nós mesmos e assim nos tornarmos seres humanos melhores, para o bem de cada um de nós.

É chegado o momento, não temos mais o que esperar. Ouçamos o humano que habita em cada um de nós e clama pela nossa humanidade, pela nossa solidariedade, que teima em nos falar e nos fazer ver o outro que dá sentido e é a razão do nosso existir, sem o qual não somos e jamais seremos humanos na expressão da palavra.

- Gostou Mãe?!

- Sim Filha! Rubem Alves é ótimo! Você está assim por isso?

- Sim mãe! Sabe de uma coisa! Estou percebendo que não escutamos ninguém! Os adultos menos ainda! Como nós vamos aprender se vocês não fazem?

A mãe não sabia o que dizer! A questão era tão eloquente e clara! Não havia uma resposta!

A cada dia as pessoas se afastam mais das pessoas e o tempo de observar e escutar legitimamente acaba sendo uma "sutil" exceção.

- Laurinha! Desculpe filha!

- Por que mãe?

- Porque não aprendi a perceber você plenamente. Eu preciso confiar mais em você!

- Você não confia mãe?

- Confio filha! Foi força de expressão! Quero dizer que preciso confiar mais na educação que lhe proporcionamos. Ensinamos você a construir seu mundo! A ter autonomia! Mas ainda me deparo com a dúvida. A dúvida é minha!

- Como assim mãe?? Duvida de mim?

- Não filha! É insegurança minha! Como você é muito jovem e tem ideias e atitudes mais maduras, isso me confunde. Me perdoe filha! Preciso melhorar!

- Mãe! Lembra quando eu disse a você que eu era diferente em todos os sentidos? Que amo vocês mais do que qualquer coisa?

- Lembro!

- Você precisa escutar mais mãe! Essa dúvida não estaria aí!

- Sim filha!

Naquela noite, as duas foram para a varanda e conversaram por horas com os "ouvidos" bem abertos, a empatia sensibilizada e o coração cheio de esperanças. Escutar parecia ser um gesto simples!

E é! Mas o melhor é a atenção, o carinho, o interesse, o amor e, principalmente, a humildade em saber que sempre é tempo de mudar para melhor e reajustar os caminhos!

*César Silva é Escritor, Empreendedor e Mentor de Negócios. Autor do e-book Inspirando Rumos - Histórias, Editora Temas Preferidos.